A novela brasileira

Em julho de 1997, no vilarejo de Dapaong, ao norte do Togo (África do Oeste, Francofonia), eu estava em visita àquele país na companhia de 11 amigos, dos quais dois eram ingleses, um era togolês (vivia em Paris) e os demais eram franceses. Vínhamos da Église Réformée de Belleville, em Paris, onde eu morava já há um ano.

Sabendo de nossa presença na cidade, o prefeito nos convidara para assistir a uma apresentação de dança, de estudantes universitários do Togo que estavam indo rumo a um festival universitário de dança de estudantes de toda a África. Fiquei animadíssima. Afinal, o que eu já tinha visto era dança “de origem” e “de inspiração”, mas africana, mesmo, nada.

No horário combinado, estávamos todos no pequeno ginásio, no centro da cidade. Estava tudo limpo, a maioria das pessoas falava baixo, creio que em respeito ao prefeito. Nós nos sentamos onde nos mandaram sentar. Havia um grande objeto coberto por um tecido que me pareceu veludo perto de onde estávamos, meio que à frente, ao centro. O prefeito estava sentado nas primeiras fileiras, e nós mais atrás.

De repente, alguém retira o pano aveludado de cima do objeto e uma grande televisão surge. Alguém nos explicou que antes da apresentação de dança havia “le feuilleton”. Eu fiquei sem entender. Não era uma apresentação de dança? Mas então outra pessoa disse, para que eu finalmente entendesse: antes do “feuilleton”, impossível, não poderia haver nada.

Ligaram a TV. Surge uma mulher africana, bem vestida, em tom formal, para explicar o que havia acontecido no capítulo anterior e o que aconteceria naquele. O “feuilleton” era a novela “Les femmes de sable”, Mulheres de Areia, com Glória Pires e grande elenco. Havia um intervalo, para idas ao banheiro, e só. Era o verdadeiro horário nobre daquela aldeia.

Meus amigos franceses zombavam da trama: era passional demais, não fazia sentido, por que aquela mulher gritava tanto, por que isso e aquilo… Os franceses acham que brasileiro é um bicho esquisito, mesmo. Mas os africanos vibravam. No resto da viagem, quando sabiam que eu era brasileira, vinham conversar comigo e, em vez de falar de futebol, falavam os nomes de vários artistas brasileiros das novelas: de Tarcísio Meira e Antônio Fagundes a Glória Pires e Regina Duarte. Era incrível, sabiam de cor. Eu não era mais do país do futebol, eu era do país das novelas.

Depois da novela, naquela noite fresca, veio a bela apresentação de dança africana, um primor. Mas foi a novela brasileira, dublada em francês, ali naquele canto perdido da África, que me deu um aperto no coração.

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