O paradoxo Bolsonaro

Jair Bolsonaro última fala Misto Brasília
Jair Bolsonaro durante a live realizada em Brasília/Arquivo/Reprodução vídeo

A repetição de que jogaria sempre “dentro das quatro linhas da Constituição” foi a marca de seu pronunciamentos

Por Mayalu Félix – MA

O paradoxo Bolsonaro consiste no fenômeno mais inexplicável da política das últimas décadas no Brasil.

Não falo só do fato de Bolsonaro ter sido eleito sem nenhum aparato financeiro ou logístico, ao contrário dos outros presidentes e do atual, mas da contradição que eu mesma quis que Bolsonaro, em quem votei nas duas eleições, representasse – e que ele não representou.

Primeiro, Bolsonaro como presidente: tinha muito poder, poderia ter agido desde o início de seu mandato no sentido de extrapolar aquilo que a Constituição lhe reservava como competência ou de entrar em conflito com o Judiciário em muitas ocasiões. Não o fez.

A repetição de que jogaria sempre “dentro das quatro linhas da Constituição” foi a marca de seu pronunciamentos. Mesmo submetido a grande pressão, Bolsonaro não violou a CF. Ao contrário, como presidente, não houve nenhuma ação de sua parte que apontasse para o rompimento da ordem constitucional.

Isso o levou a submeter-se também a ordens e decisões – do Poder Judiciário – flagrantemente inconstitucionais e que excediam em muito o que a CF define como ação desse Poder.

Essa exacerbação, hoje, torna-se mais e mais evidente em ações disruptivas no que diz respeito à liberdade de pensamento, de expressão e do fato de que “toda pessoa tem direito a julgamento público, imparcial e independente” (Art. 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos), o que se consolida na Constituição Federal e leis correlatas.

Hoje, em 2024, no Brasil, há presos políticos por “delito de opinião”, algo impensável após a promulgação da CF de 1988, que em seu Art. 5º, inciso LV, menciona de modo claro o princípio do devido processo legal, uma das mais relevantes garantias constitucionais do processo, relacionado às garantias do contraditório e da ampla defesa:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Já perdemos essa garantia no Brasil. Há muito tempo setores do Judiciário não sabem mais o que significa a Letra da Lei, ao contrário. Essa é a pior ditadura, pois contra ela não há a quem se recorrer, como diz frase erroneamente atribuída a Rui Barbosa, mas absolutamente verdadeira.

Por muito tempo eu não havia entendido por que razão Bolsonaro, enquanto tinha essa possibilidade, não havia rompido a ordem constitucional de alguma forma a fim de garantir que o Brasil não se tornasse o que já é.

A resposta evidente, e que desde o início me fugiu, é que o cumprimento da Constituição e a obediência a seus princípios – dentro daquilo que chamamos de “jogo limpo” – foi precisamente o que o impossibilitou de conter os que não jogavam “dentro das quatro linhas”.

Esta é, precisamente, a questão mais importante de todas: Bolsonaro não foi o déspota que eu achei que ele deveria ter sido. Ele não foi o ditador que eu gostaria que ele tivesse sido. Que eu achei que ele deveria ter sido.

Não é à toa que seus perseguidores, atuais mandatários do poder, tentam enquadrá-lo em algum crime inexistente: importunação de baleias, fuga para território estrangeiro (na Embaixada da Hungria!), minuta do golpe etc.

Por não ter havido nenhum golpe nem tampouco intervenção militar (que está prevista na Constituição, aliás, no Art. 142, que se diga aos ignorantes da Lei) é que tentam agora impingir-lhe qualquer coisa, mais absurda que pareça.

O que me pareceu fraqueza de início, e falta de estratégia, hoje me vem à mente como aquilo que foi: Bolsonaro em todo o tempo obedeceu a Constituição e seus princípios. Bolsonaro não desobedeceu a Lei nem mesmo para tentar protegê-la. Este é o Paradoxo Bolsonaro. Há muitos paradoxos envolvendo o ex-presidente.

A contradição lógica ocorre também no fato de que um homem tão amplamente enxovalhado pela mídia, pelos influenciadores, pelos geradores de conteúdo e pelos atuais donos do poder seja mais popular e amado do que nunca. Onde Bolsonaro chega é recebido pelo povo – o povo de verdade, a massa, a multidão – com entusiasmo e carinho.

O atual presidente, ao contrário, mal consegue reunir um auditório de faculdade para gritar seu nome.

Paradoxos, contradições, incongruências. Como o homem eleito com 60.345.999 de votos não é bem recebido nem mesmo nos redutos do Nordeste, onde se diz que ele teve a maior votação? Este é também um paradoxo, talvez explicável pelo Judiciário, um dia.

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