Criptoeconomia e o ceticismo, moedas digitais vieram pra ficar

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Mercado de criptomoedas voltou a ficar aquecido/Arquivo
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É verdade que as criptomoedas ainda não cumprem as funções tradicionais do dinheiro, porque ainda seu valor é volátil

Por Charles Machado – SC

A intangibilidade é o maior traço da atual economia, uma economia a cada dia mais baseada em ativos intangíveis, algo perfeitamente demonstrável através do balanço das maiores empresas do mundo, todas de tecnologia. Ao mesmo tempo a globalização financeira e a revolução tecnológica estão levando a uma desmaterialização acelerada do dinheiro de forma mundial, criando o que muitos denominam de Criptoeconomia.

Claro que não faltam grandes autoridades da economia e dos negócios para vaticinar de forma contrária, minimizando por muitos anos as criptomoedas, como Nouriel Roubini, que em 2021, disse que o bitcoin “não tem valor, não é um ativo e há uma bolha”.

Alguns foram além, como Jim Onill, que falou da “loteria do bitcoin” como se o ativo fosse um jogo de sorte, e afirmou que eles não passavam de mais um investimento especulativo.

É verdade que as criptomoedas ainda não cumprem as funções tradicionais do dinheiro. Eles não são uma unidade de conta porque nada é medido em bitcoins e, além disso, seu preço é tão volátil que faria pouco sentido fazê-lo.

Também não são, por enquanto, um meio de pagamento generalizado, exceto, talvez, para algumas atividades ilícitas. E, finalmente, eles não são uma reserva de valor, a menos que se esteja disposto a incorrer em muitos riscos.

Porém, a sua veloz evolução nos leva a concluir que elas vieram pra ficar, gostem os reguladores ou não, afinal como qualquer tecnologia, ela precisa se mostrar útil, lucrativa e transformadora, e isso ocorre com os criptoativos, o que faz com que seu uso e suas funcionalidades evoluam de forma permanente.

Conceitualmente, uma criptomoeda pode ser entendida como um bem digital que funciona como meio de troca e utiliza alguma forma de criptografia para autenticar e controlar suas transações. Nota-se que o conceito de criptomoeda não impede que o bem em si dê algum outro direito a seu detentor. Neste sentido, há diversas variações possíveis.

Identidade desconhecida do criador

Para ficarmos restritos apenas as criptomoedas, podemos seguir com a análise da recente etimologia dessas, que por si só poderia ser uma referência da velocidade dessa nova tecnologia e dos seus infinitos usos, afinal foi em outubro de 2008, quando Satoshi Nakamoto circulou em uma lista de e-mails um artigo acadêmico intitulado “Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system”.

Ali, seu autor introduzia a tecnologia blockchain como solução para o problema do gasto-duplo, ou double-spending problem. Um tal sistema era precisamente a peça que faltava no quebra-cabeça rumo a criação de uma moeda virtual anônima sem a figura de um intermediário que exercesse o controle central sobre ela.

É interessante fazer aqui uma rápida observação a respeito do criador do bitcoin e do blockchain. Apesar de muita especulação, até hoje, 16 anos depois da publicação de seu artigo, a verdadeira identidade do autor ou grupo de autores permanece desconhecida.

Satoshi Nakamoto é um pseudônimo que serve como escudo e proteção daquele que ao desafiar o sistema bancário e de pagamentos online até então vigente, preferiu manter sua privacidade respeitada e um certo mistério no ar.

Voltando ao problema do gasto duplo, este pode ser facilmente compreendido se realizarmos uma analogia com os desafios que a pirataria traz para a indústria audiovisual, fonográfica e fotográfica até hoje: uma incapacidade técnica de efetivamente impedir a reprodução ilimitada de arquivos digitais, bem como de distinguir, rastrear, quiçá até, conter em tempo real, cada cópia não-autorizada de um filme, música, clipe, foto ou outra criação online, como bem destaca Felipe Hanszmann, em seu artigo ” Atualidades em direito societário e mercado de capitais : volume III”.

Voltando a sua etimologia, lembramos que Satoshi Nakamoto tinha a intenção de criar um sistema de caixa digital que não dependesse de uma autoridade intermediaria ou central, como bancos ou governo. Mas acabou desenvolvendo algo muito maior que é a Blockchain através do Bitcoin.

Em seguida veio o Ethereum, elaborado por Vitalik Buterin. O Ethereum é uma plataforma inovadora na tecnologia Blockchain, pois ela fornece a possibilidade de criar contratos dentro da Blockchain.

A grande inovação do blockchain no tocante à natureza digital de tais ativos reside na sua capacidade inédita de dar unicidade, ou gerar escassez, a recursos e/ou arquivos digitais. Isso quer dizer, por exemplo, tornar cada uma dessas sequências de bits ou unidades de bitcoin, ou arquivos de filmes, músicas e fotografias online, em bens únicos, inconfundíveis e rastreáveis em todas e quaisquer movimentações suas pela rede.

Impostos e bens através do bitcoin

Para tanto, atribui-se a eles uma espécie de impressão digital ou número de série virtual específico e imutável que acompanha toda a vida desse bem no ambiente online. Estamos diante, portanto, de uma importante ferramenta de auditoria com alta capacidade de desempenho para identificar e rastrear ativos digitais de maneira precisa.

Ao mesmo tempo alguns países começam a utilizar as criptomoedas como alternativa ao curso legal do dólar, como é o caso do governo de El Salvador decidiu adotar o bitcoin como uma alternativa legal.

Lembro que naquele país o uso exclusivo do dólar foi adotado há duas décadas após a perda de credibilidade da moeda nacional, mas agora também será possível comprar bens e pagar impostos em bitcoins, o que significa que a soberania monetária é preferida a um algoritmo do que ao Federal Reserve dos Estados Unidos, ou pelo menos é o que pensa o atual governo salvadorenho.

Outro ponto para ser destacado, como vitória das criptomoedas, vem do fato de que nesse momento, quase todos os principais bancos centrais decidiram lançar moedas digitais (CBDCs). O mais avançado é o yuan digital chinês, mas o euro digital e o dólar digital também estão em andamento, embora este último esteja ficando para trás.

Na verdade, o Banco Central das Bahamas já circulou o dólar de areia, a primeira CBDC do mundo.

No momento, como mostra um estudo recente feito nos EUA, por David Tercero-Lucas e Raphael Auer, o que se observa é um apetite crescente para comprar criptomoedas, e o perfil de quem usa ou investe nelas é bem definido: são em sua maioria homens, com menos de 30 anos de idade e com alto nível de escolaridade.

Ao mesmo tempo, a crescente popularidade dos criptoativos e a volatilidade de seu preço já abriram um debate sobre os riscos que eles podem representar para a estabilidade financeira em nível global, então não demorará muito para vermos como sua regulamentação aumenta tanto pelo G20 e pelo Fórum de Estabilidade Financeira quanto em nível nacional.

De qualquer forma, a menos que vejamos situações de colapso institucional e crescentes conflitos e violências que levem a uma grave deterioração da confiança no Estado, as moedas oficiais, nas versões física e digital, continuarão a dominar o mercado por bom período ainda, porém isso não significa que podemos dizer que as criptomoedas são uma mera moda que vai passar, muito pelo contrário, elas vieram pra ficar.

Fica evidente que estamos diante do início do fim do monopólio público da emissão de moeda pelos Estados, hegemônico nos últimos séculos, voltando dessa forma a uma coexistência de dinheiro privado (minoritário) com dinheiro emitido por Estados (majoritários) como existia no passado. Mas desta vez através da digitalização e suportado pelas garantias e conveniências oferecidas pelo blockchain, o que expande muito o seu potencial.

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