Faltam projetos para a prevenção de desastres

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Detalhe da tragédia na região do Litoral Norte de São Paulo/Arquivo/Divulgação

Brasil carece de política que possa ser chamada de política de adaptação e de prevenção a risco de desastre

Por Misto Brasil – DF

Separada por duas ruas da margem do rio dos Sinos, a casa onde mora Ana Carolina Dutra da Silva, em São Leopoldo (RS), tem um plano de evacuação. Foram décadas vendo a enchente levar tudo até a família criar uma estratégia.

Eles monitoram o nível do rio em tempo real por conta própria, suspendem os móveis ao sinal de ameaça e, em situações mais críticas, a casa do avô, quatro ruas acima, vira abrigo.

Eles seguiram o roteiro durante as chuvas extremas do início de maio, mas, desta vez, o plano não foi suficiente. A água cobriu 1,60 metro da casa, construída acima do nível da rua, e a família ainda não pode voltar para o lar.

“Nosso preparo é feito à base da experiência mesmo. Nunca houve um treinamento, nada”, conta Silva à DW, lembrando perdas que sofreram em enchentes passadas.

O município, da região metropolitana de Porto Alegre, até investiu na década de 1970 num sistema de proteção contra inundações com construção de diques e casas de bombas. Mas faltou dar atenção – e dinheiro – a um plano estruturado, comenta Heverton Lacerda, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

“No que se refere aos municípios atingidos pelas enchentes deste ano, fica constatado que não há prevenção, sequer sentimento de risco para catástrofes desta dimensão”, avalia Lacerda.

Em São Leopoldo, o investimento na área da defesa civil em 2023 se restringiu à compra de lonas plásticas para “manter estoque para atendimento de emergência”, segundo consulta da DW ao Portal de Transparência. Foram pelo menos R$ 213 mil gastos de agosto a dezembro numa única casa de ferragens. Cada lona custou R$ 1.424.

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Trator que foi arrastado pelas enchentes no Rio Grande do Sul/Arquivo/Reprodução vídeo

Falta de política e dinheiro para prevenção

A falha não é exclusiva da cidade gaúcha. “O Brasil carece de política que possa ser chamada de política de adaptação e de prevenção a risco de desastre, de perdas e danos. É um problema estrutural de financiamento dessas políticas”, avalia Alessandra Cardoso, economista do Instituto de Estudos Socioeconômico (Inesc).

Uma tentativa de criar uma estratégia permanente aconteceu em 2011. Naquele ano, a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro deixou quase mil mortos e o governo federal, então liderado por Dilma Rousseff, precisava dar uma resposta. Surgiu, no ano seguinte, o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres.

Diversos ministérios estavam envolvidos sob coordenação da Casa Civil. Um mapeamento de áreas de risco para inundações e deslizamentos foi feito, e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) foi criado.

“Teve no Brasil um investimento inédito na parte da prevenção de 2012 a 2017. Mas ele foi caindo com a crise econômica e política que culminou com o impeachment da presidente Dilma”, diz Victor Marchezini, sociólogo e pesquisador do Cemaden.

Foi um período de exceção à regra. O habitual, adiciona Marchezini, é a liberação de dinheiro em resposta aos desastres. E nem tudo pensado em 2012 saiu do papel: o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap) não entrou em funcionamento até hoje.

“Teríamos um fundo para pensar na parte da prevenção e que auxiliasse numa resposta mais ágil quando os municípios precisam de dinheiro numa circunstância de desastre”, pontua o sociólogo.

O governo de Lula da Silva agora tenta tirar do papel outro ponto daquela iniciativa de 2012, o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDC). A política quer munir as Defesas Civis de estratégias e dinheiro para lidar com prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação após os desastres.

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