O marco inicial da imigração italiana no Brasil será celebrado na Itália. Na sede da Embaixada do Brasil em Roma
Por misto Brasil – DF
Há 150 anos, em 17 de fevereiro de 1874, chegava ao porto de Vitória, na então província do Espírito Santo, uma embarcação a vela chamada La Sofia. A bordo, 388 pessoas oriundas da península itálica, na maioria das regiões do Vêneto e de Trento, escreve a Agência DW, que fez essa reportagem.
Historicamente, esse é considerado o marco inicial da imigração italiana no Brasil, já que a partir dali e até 1920 — considerado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o “momento áureo do largo período denominado como da grande imigração” — o país recebeu cerca de 3,3 milhões de imigrantes. E o contingente italiano representava 42% do total.
Se a chegada se deu em 17 de fevereiro, o desembarque dos italianos só começaria quatro dias depois, devido aos procedimentos de quarentena. Por isso, o dia 21 de fevereiro é, oficialmente no Brasil, o Dia Nacional do Imigrante Italiano.
“O desembarque perdurou até o dia 27″, ressalta a antropóloga Evelize Moreira, pesquisadora do Museu da Imigração, de São Paulo.
A efeméride será celebrada por muitos dos hoje cerca de 35 milhões de ítalo-brasileiros — o Brasil é o país que tem a maior comunidade de descendentes de italianos em todo o mundo.
La Sofia, um empreendimento privado
A chegada dos 388 italianos há 150 anos foi fruto de um empreendimento privado. “Foi um acordo entre um imigrante italiano que já residia no Brasil desde 1850, Pietro Tabacchi, e o Ministério da Agricultura”, contextualiza Moreira.
Oriundo de Trento, Tabacchi foi pessoalmente à península itálica para arregimentar camponeses. É preciso ressaltar que embora a Itália tenha concluído sua unificação em 1871, o Trento seguia sob domínio austro-húngaro — foi anexado à Itália apenas em 1920.
“Não há muitas informações específicas sobre o navio La Sofia. O que se sabe é que partiu do porto de Gênova e desembarcou direto no porto de Vitória”, comenta a antropóloga.
“De um modo geral, grande parte dos imigrantes viajava de terceira classe, que não era muito favorável. Fazia muito calor e eram lugares propícios para propagação de doenças diversas”.
Segundo a socióloga e historiadora Vania Herédia, professora na Universidade de Caxias do Sul (RS), as viagens de imigrantes da época se destacavam “pela precariedade e pelo excesso de pessoas” a bordo, em navios que em geral apresentavam péssimas condições.
“Alimentação e higiene eram de baixa qualidade”, acrescenta o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor na Fundação Escola de Sociologia de São Paulo e da Escola Superior de Propaganda de Marketing.

Contexto histórico com muitas nuances
A imigração italiana ao Brasil responde a um contexto histórico cheio de nuances. Primeiro, havia um interesse do governo local — desde os tempos de colônia — em promover o povoamento do território.
“Existia por parte do governo português antes da Indepêndencia e, depois, por parte do governo imperial, uma intenção de ocupação do território, muito extenso”, ressalta Herédia. “Existe então um projeto de colonização”.
Mais tarde, passou a ser preciso resolver o problema da mão de obra, com a sucessão de leis restringindo o uso de escravizados africanos, culminando com a abolição em 1888.
Em 1867, o Ministério da Agricultura criou uma legislação específica direcionada à questão dos trabalhadores estrangeiros.
“Ficou estabelecido como os imigrantes teriam acesso às terras, que teriam fornecimento de sementes e ferramentas, que teriam condições minimamente possíveis de sobrevivência”, pontua Luchese. “Há também a menção de que seria providenciada a construção de casas, mas isso não aconteceu”.
Os italianos que chegavam ao Brasil vinham fugindo da miséria.
“Com o advento da unificação italiana e a expansão capitalista, em algumas regiões a sobrevivência havia se tornado difícil, provocando a decisão de migrar”, acrescenta a historiadora. “O sonho da possibilidade de acesso à terra e a oportunidade de ter uma vida melhor, com fartura de alimentos e posses [estimulou a vinda]”.
Comemoração na Itália
Os 150 anos do marco inicial da imigração italiana no Brasil será celebrado na Itália. Na sede da Embaixada do Brasil em Roma, haverá uma palestra, na terça-feira (20/02), sobre a influência da gastronomia italiana nos hábitos brasileiros e, na quarta, um jantar especial para 100 convidados, entre italianos e brasileiros.
O embaixador brasileiro Renato Mosca de Souza diz que outros eventos virão no decorrer do ano.
“Brasil e Itália compartilham fortes laços históricos, políticos, econômicos e científicos-culturais”, destaca. Faz parte desse conjunto, a participação brasileira na 60ª Bienal de Arte de Veneza: o brasileiro Adriano Pedrosa será o primeiro curador da América Latina no importante espaço.
Souza conta ainda que vem empreendendo “esforço especial” para levar a Roma, em breve, uma mostra dos painéis Guerra e Paz, do brasileiro Candido Portinari (1903-1962), filho de imigrantes italianos.
“No plano político, temos ainda a expectativa de troca de visitas de alto nível que impulsionarão as relações bilaterais”, afirma o embaixador.