Era de doer a falta de opções de lazer. Por gozação, era dito que o brasiliense havia adquirido o Complexo de Electra
Por Sérgio Botelho – DF
Doze anos depois de inaugurada, em 21 de abril de 1972, com a população ainda na casa dos seis dígitos, pouco mais de 600 mil habitantes, Brasília não contava com a presença constante de todos os ministros de Estado operando a semana inteira nas sedes de seus ministérios, na capital do Brasil.
Naquele início da década de 1970, os ministros da Fazenda, da Saúde e do Transporte, por exemplo, ficavam mesmo a maior parte do tempo no Estado da Guanabara, que sediou a capital da República até a inauguração de Brasília em 21 de abril de 1960.
Por gozação, era dito que o brasiliense havia adquirido o Complexo de Electra, ou seja, o medo de perder o Electra da Varig que saia de Brasília na noite de sexta-feira e levava ao fim de semana ensolarado no Rio de Janeiro, sonho de consumo permanente do brasiliense abonado na época.
Faltava de tudo, principalmente de entretenimento naqueles primeiros anos 1970.
As Asas Sul e Norte, diferentemente do previsto, ainda estavam preocupantemente desocupadas, enquanto cresciam as construções irregulares e incipientes nas cidades satélites. O transporte público continuava um horror. Com isso, a cidade ganhava cada vez mais uma característica própria, que era a de ser uma urbe sobre rodas.
Os estacionamentos já não atendiam as demandas dos automóveis. As obras de infraestrutura não atendiam à ocupação das periferias da cidade. No que diz respeito aos serviços de água, esgotos e telefones, ao menos no chamado Plano Piloto, o conjunto da obra havia melhorado bem, apesar do alto custo envolvido na implantação de cada um deles.
No entanto, era de doer a falta de opções de lazer na cidade, justamente o que aumentava aquele Complexo de Electra de que já falamos, e um inquietante sentimento de solidão. Um ambiente muito bom para os analistas.
Se no Plano Piloto havia os clubes – uma opção de lazer quase única e, mesmo assim, para os que tinham dinheiro – nas cidades satélites, nem falar. A cultura em geral sofria com a ausência de opções, ficando muito a depender de eventuais audições de música clássica e de peças teatrais.
O que restava ao brasiliense naquele tempo era ficar no apartamento, ver TV (via Embratel, um grande luxo naquele período e que permitia assistir nos mesmos horários a mesma programação da Guanabara e de São Paulo), jogar biriba, tomar uísque e continuar o papo iniciado no trabalho com o colega de repartição e que deveria continuar no dia seguinte.
Mas Brasília teria de mudar, e mudou no rumo dos dias atuais. E como mudou!
(Sérgio Botelho é jornalista)
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