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Estratégias totalitárias de controle do passado

Hitler e Mussolini Misto Brasília

Hitler e Mussolini em desfile militar na década de 1930/Arquivo/Viomundo

A intimidação da população e a proibição da busca ou da difusão de informações é prática recorrente

Por Maya Félix – MA

Uma das estratégias de qualquer governo totalitário é controlar a memória. Por memória entende-se passado, história, narrativas. Segundo Tzvetan Todorov, em Le Siècle des Totalitarismes (ainda sem tradução para o nosso português do Brasil), de 1994, publicado pelas Éd. du Seuil, “os regimes totalitários do século XX revelaram a existência de um perigo insuspeitável até então: o de um estrangulamento completo da memória” (p. 651).

Isso porque “tendo compreendido que a conquista das terras e dos homens passa pela conquista da informação e da comunicação, os tiranos do século XX sistematizaram sua asfixia da memória e tentaram controlá-la até os recônditos mais secretos”.



Os exemplos de controle do passado são inúmeros. Toda a história do nazismo, por exemplo, pode ser relida como uma guerra contra a memória, como disse Primo Levi. Tanto na antiga União Soviética como na China comunista, um dos procedimentos mais comuns para controlar a circulação de informação é o apagamento dos rastros. Os fornos crematórios do regime nazista, assim como a incineração de arquivos e documentos, são uma prática recorrente de controle.

Do mesmo modo, a intimidação da população e a proibição da busca ou da difusão de informações é prática recorrente. É rigorosamente proibido ouvir estações de rádio estrangeiras: em Cuba, Coreia do Norte, Venezuela e China a própria internet é estritamente controlada. As estações de rádio que ainda possam existir em países totalitários são destruídas.



Segundo T. Todorov, nos países comunistas a proibição de “tomar conhecimento” atinge vários setores da vida, mas ela é particularmente rigorosa no que diz respeito aos campos de concentração ou “reeducação”. Guardas, prisioneiros e até mesmo esposas de prisioneiros assinam termos de segredo absoluto a respeito do que acontece nos campos.

Um outro modo de dissimular a realidade em países de regimes totalitários consiste no uso de eufemismos. No romance 1984, de George Orwell, isso fica muito claro: o Ministério da Verdade, Miniver, altera o passado modificando as informações históricas, para que elas possam servir ao regime que sujeita, controla e explora a população.

Tzvetan Todorov lembra que os eufemismos, para os nazistas, são particularmente abundantes em torno do segredo central do extermínio. O sentido dessas formulações célebres torna-se transparente depois: “solução final”, “tratamento especial”. Sublinhe-se que mesmo naquela época, esses jogos de palavras permaneciam suficientemente sugestivos: “o tratamento especial é aplicado por enforcamento”.



Logo que o sentido secreto desses eufemismos era descoberto, havia a necessidade de criar novas expressões, mais neutras ainda: “evacuação, deportação, transporte”. (p. 653) O objetivo desses eufemismos é impedir a existência de certas realidades na linguagem e, assim, facilitar aos executores o cumprimento de suas tarefas.

Você pode estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com nosso momento de hoje no Brasil. Mas se você está realmente se perguntando isso, a esta altura, não há mais nada a fazer.


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