Golpe à paisana

Palácio do Planalto soldados guardas Misto Brasília
Soldados do Dragões da Independência montam guarda no Palácio do Planalto/Arquivo/Viajante
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O que, de fato, temos à frente no cenário é uma sucessiva eclosão dos ovos da serpente

Por Vinício Carrilho Martinez e André Pereira César

Com o título deve-se subentender que podemos ter um golpe – ou “quebra institucional” – sem o emprego tão ostensivo das forças armadas ou, ainda, aquela série de banimentos e execuções como visto no pós-golpe de 1964, bastante comum na América Latina. Pode-se ver um golpe paisano, ainda que isto não elimine o contrário, uma vez que a apropriação ideológica das polícias militares saliente o emprego de um efetivo de forças de exceção e de negação total dos padrões civilizatórios.



Desse cenário também podemos entender que as forças milicianas do Fascismo Nacional estão à paisana ou fardadas, juntas em um processo de degradação da democracia.

A questão da “continuidade do processo político-eleitoral” voltou à tona com a convocação dos embaixadores pelo Palácio do Planalto (18.07), a fim de, exatamente, esculhambar o sistema eleitoral brasileiro – especialmente as pesquisas eleitorais que sinalizam de modo comprobatório a derrota do empossado que seria sacramentada nas “urnas eletrônicas”. Então, ataca-se as urnas eletrônicas.

Não falaremos sobre as urnas, hoje, especialmente porque foram essas mesmas peças que elegeram o Fascismo Palaciano em 2018. Ou seja, se há tanta convicção assim na fraude eletrônica do “voto livre” – um dos cânones do liberalismo –, logo, deve-se concluir que o empossado é absolutamente ilegítimo e que só ascendeu ao trono por meio da ilegitimidade. Enfim, tivemos golpe em 2018? Sem contar a tal facada que trouxe comoção exponencial e fixou o marketing político fascista. Cabe ressaltar ainda que Bolsonaro, família e demais aliados se elegem há tempos dentro do processo eleitoral vigente, com urnas eletrônicas e tudo mais.



A questão que nos move é: haverá eleições em 2022 ou padeceremos de outra quebra institucional? Alguns bradaram que, se houvesse Estado de Direito o empossado seria defenestrado imediatamente. Certamente, nisso concordamos, sobretudo porque o Império da Lei vem sendo ferido letalmente a cada violação dos direitos fundamentais. Nunca se jogou dentro das quatro linhas da Constituição Federal de 1988.

Por exemplo, a Constituição foi cabotinada com a PEC Kamikaze – o que, na prática, significa o “voto em bico de pena”, a compra de votos em troca do auxílio emergencial. Em qualquer condição de Legitimidade Constitucional essa inconstitucionalidade eleitoreira seria recusada, atacada, revogada. E, se não foi, é porque a Constituição não vige; e, sem a Constituição, é óbvio, não há como se falar em Estado de Direito. Pior, a aprovação da proposta contou com o apoio da oposição.



A negação do processo político-eleitoral

Outra questão, ainda mais básica, nos remete ao passado próximo e à frontal negação da Teleologia Constitucional: poderia haver Democracia Constitucional – mesmo que apenas representativa – após um golpe ou quebra institucional? A democracia teria sobrevivo após o Golpe de 2016? Como é que pode haver democracia condicionada, comissionada, a um golpe constitucional dessa magnitude?

Neste caso, juntando-se os dois fatores – ou séries golpistas – chegaremos a outra conclusão parcial: vivemos de golpes em golpes, golpes dentro de golpes, golpes que antecedem e preparam outros golpes. Temos uma rotina golpista, um ciclo vicioso que desnutriu qualquer círculo virtuoso, e que se retroalimenta com a negação da democracia, da Constituição, da República, do Estado de Direito. Em outras palavras, recusar-se à soberania do resultado das urnas eletrônicas é apenas um degrau na longa escala de quebras institucionais e que, acintosamente, de escala em escala, vem a fortificar o poder fascista e o projeto político da terra arrasada.

No entanto, a questão central permanece: teremos eleições em 2022? Essa pergunta vale um milhão de dólares. É estrondosamente óbvio, claro e já amplamente demonstrado pela realidade desde 2016, que, se não se opuser firme resistência político-jurídica, social e institucional, dentro e fora do Estado, mais um degrau do golpe será adicionado, levando-nos a mais uma torção no garrote fascista.



A questão que não cabe aqui, notadamente por carecer de Lógica Constitucional, refere-se a especular se a negação do processo político-eleitoral não é equivalente da submissão e da cabotinagem do Estado de Direito ao projeto político fascista. Ora, não há Estado de Direito há algum tempo. O que, de fato, temos à frente é uma sucessiva eclosão dos ovos da serpente. Portanto, outra conclusão, a essa altura bastante visível, ressalta que os mesmos atores, os players do butim de 2016, não sabem o que fazer para conter a serpente que não para de pulular com o Fascismo.

Então, nossa questão central seria ajuizada em outros detalhes dos meandros do poder: as elites golpistas, do pré e do pós 2016, estão pactuadas com o golpe do capitão em 2022? Todo mundo sabe que os militares – das forças armadas ou das polícias – não agem sem que soe o apito definitivo da chamada Paulista ou da Faria Lima. O medo das elites, caso não concordem com o golpe, seria de que a serpente teria ganhado asas?

Esse é um receio que, enfim, todos devemos ter.

Concluindo: com ou sem processo eleitoral, estamos bem abastecidos na série de golpes e de profundas quebras institucionais. Cada ruptura da Constituição de 1988 é um golpe fidagal na democracia sempre muito doente. E sempre será uma enorme covardia.

(Vinício Carrilho Martinez é cientista social e André Pereira César é cientista político)


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