Quando há ausência do bom senso, o indivíduo intolerante supõe que a pessoa eleita seja um “adversário político”
Por Vinício Carrilho Martinez e André César
Como entender o bárbaro assassinato (homicídio) do guarda municipal Marcelo Arruda pelo policial federal penal (Jorge José da Rocha), em Foz do Iguaçu (PR)? O homicida declara-se bolsonarista, cristão, “cidadão de bem” e antiviolência. Discurso já bem conhecido por aqui.
Não é fácil encontrar uma avaliação psicológica, política, societal, que dê conta dessa ação, mais ainda se lembrarmos que foi durante um aniversário de 50 anos, e que o homicida já havia passado com arma em punho no salão de festa – jurando-se ser um vingador do bem e que todos ali deveriam morrer. Na segunda vez entrou no salão e atirou no petista, que revidou – mas morreu em seguida.
Se o atual presidente da República prega violência, armamentismo da sociedade civil, ódio social e político – “eliminação de 30 mil petralhas” (sic) –, extermínio de indígenas (“Certo é o exército americano que eliminou os índios” – sic), não está clara a simetria entre “ideologia fascista” e homicídio doloso (premeditado, por motivo torpe, sem permitir condições de defesa à vítima)? Se o próprio homicida não fosse baleado pela vítima, teria matado mais quantas pessoas?
Difícil não associar essas situações, notadamente, quando temos em consideração uma lógica básica entre ação e consequência – como decorrência. Também não é difícil concluir que o motivo torpe do brutal assassinato é uma “intolerância política”. Porém, o que é intolerância política?
Basicamente, seria a intolerância diante de uma oposição política – tanto é brutal quanto brutaliza. Quando há ausência total de associação cognitiva com o bom senso, o indivíduo intolerante supõe ou imagina que a pessoa eleita como “adversário político” deve, precisa, ser convertido em inimigo – e, como tal, só lhe resta ser extirpado da vida social. Eliminação total, pura, simples e direta.
Em outro momento histórico, assassinos não convidados para festas de aniversário levaram a Humanidade ao Nazismo. Todos se lembram como acabou a 2ª Grande Guerra Mundial. E todos deveriam se lembrar que, após as dezenas de milhões de mortes, o Tribunal de Nuremberg caçou inúmeros psicopatas não convidados a festas de aniversário e os levou à pena de antecipação da morte.
Outra possível explicação associa o assassínio à polarização das eleições. Contudo, isso seria uma falácia, uma vez que não houve enfrentamento entre o homicida e a vítima, que o algoz nem fora listado entre bem-queridos na festa, e, por fim, o local da festa era afastado, isolado do meio urbano. Ou seja, o “assassino declarado bolsonarista” foi até à festa, duas vezes, para efetivamente matar.
Outra hipótese nos leva a pensar que estamos diante do dilema entre civilização e barbárie: o bolsonarismo não suporta divergências, está abduzido pelo ódio social, pelo atavismo cultural, sendo conduzido por desideratos, sem consideração com as reais condições da vida social. Em que pese a vítima fosse vinculada ao principal partido de oposição ao candidato do bolsonarismo, ainda que não o fosse, seria eliminado. A vítima seria eliminada pelo simples fato de não ser bolsonarista. Será, portanto, uma seita de desesperados?
Por fim, o que surge como o mais óbvio nessa equação denominaremos como “realismo político” e diz respeito à Ideologia do Mal Maior: tudo seria movido pela, praticamente certa, derrota nas eleições de outubro – o mais tardar em novembro. Isto é, diante da derrota anunciada na reeleição do empossado, o bolsonarismo é continuamente alimentado pelo ódio para que secrete o aumento e o agravamento do caos social.
A cada dia mais preocupado com a possibilidade real de derrota, o primeiro presidente não reeleito no pós-emenda da reeleição aposta no aumento vertiginoso da violência política. Por que? Porque assim, com o embrutecimento da guerra civil planejada, as forças armadas seriam acionadas para “controlar o caos”.
Esse homicídio, se nada for feito de modo incisivo, será apenas a senha para que muitos outros atos terroristas ocorram (bombas de cocô já foram lançadas) e, assim, especialmente o exército teria o comando acionado pelo art. 142 da Constituição Federal de 1988 – como típico poder moderador sob o mandato de um qualquer Estado de Emergência. Vale a pena ler o caput do referido artigo da CF88:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Certamente, trata-se da pior redação conferida a algum artigo da Constituição Federal de 1988, uma vez que permite às Forças Armadas tomarem o poder para garantir a lei e a ordem. Independentemente de quem tenha produzido a deslealdade ao Estado de Direito e garantido a desordem.
Então, nesse cenário surreal, pode-se concluir que se trata de uma aberração política e de ações bruscamente inconstitucionais – em retrocesso flagrante do Processo Civilizatório, atacando-se mortalmente a democracia e a República. O bolsonarismo, já decretado como derrotado nas próximas eleições, alimenta o caos para retirar proveito da confusão que planejou. A psicose política está e estará em nossos dias. Não são os algozes da democracia que deveriam sofrer intervenção imediata? Por outro, será que nós teremos tanta omissão, assim, a fim de permitirmos um Golpe Militar em pleno 2022?
(Vinício Carrilho Martinez é cientista social e André César é cientista político)