Fascismo em dez atos

Fascismo manifestação Brasil Misto Brasília
Manifestação contra o fascismo e a favor da democracia no Brasil/Arquivo/Brasil de Fato

É incrível nossa capacidade, quase simétrica, de revoltar os mortos

Texto de Vinício Carrilho Martinez e André César

Prelúdio: A Fênix do Mal sobrevoa o país com seu bando de urubus famintos.

Atenção!!
Atenção!!
— entram em cena os dois piores demônios da história, para além da ficção: Democício entra um passo à frente de Mefisto
(porém, este lhe é maior em envergadura)

Ambos são tão pujantes quanto pusilânimes e pavorosos

Um é sedento por sangue, o outro traz no olhar o cinismo da Caveira que leva a foice

Na suástica verde-amarela lê-se em letras garrafais:  “A vida vem da morte”

(À plateia recomenda-se discrição, cenas de horror serão exibidas ao vivo, menos para os mais de 600 mil mortos)



Esse é o cartaz anunciando a peça teatral completa, do Brasil 2018-2021, com projetos para ao menos uma temporada extra. Em tempos sombrios como este, mas no século passado, tivemos várias obras elucidativas sobre o país. Uma peça é a “Fazenda Modelo”, de Chico Buarque, eterna referência. Além de músicas, como “Pedro Pedreiro”, do mesmo Chico. E filmes, como o “Engenheiro que virou suco”.

É incrível nossa capacidade, quase simétrica, de revoltar os mortos. Trazemos o passado necrosado praticamente “vivo”, no que houve de pior. Exemplo de revolta dos mortos está nos mais de 600 mil mortos na pandemia e que poderiam, em sua maioria, estar vivos. Estariam vivos se o governo brasileiro não os tratasse como leito de morte. Estariam vivos se o governo tivesse empatia pelo próximo.

“A Peste”, romance do franco-argelino Albert Camus sobre a morte anunciada, frente ao nazifascismo, não é páreo para as “nossas” declarações de guerra. Portanto, nosso primeiro ato, e mais agudo, vem da Saúde Pública: do “óbito também é alta, desliguem o oxigênio” ao mais recente “a vacina dá Aids”.




O segundo ato poderia ser apenas uma coleção de “Sics”, erros e danos gravosos e letais, que seguem todas as falas e ações governamentais. O terceiro ato viria com a negação sistemática da ciência, a ponto de decretar sua morte famélica por total inanição de recursos. Literalmente, nem a Nasa é capaz de explicar o combalido Ministério da Ciência e da Tecnologia. O “Estado de Sítio”, uma peça teatral também do gênio de Albert Camus, é a cara do Estado Paralelo que nos “governa” (sic). Entre milícias, paramilitares e “forças engajadas ou de reserva”, damos nome aos bois – melhor dizendo, ao gado servil e psicótico. Esse é o terceiro ato.

No quarto ato, o diabo que nos consome se chama Democídio. É um tipo de demônio demente que se alimenta de pobres e de negros: imaginemos a cena, tipo um demônio Kraken (ou, na versão tupiniquim, Ahó Ahó), devorando as pessoas pela cabeça.

No quinto ato vemos todas as vestais pondo fogo nas fronteiras verdes e eliminando indígenas, para que o agrotóxico possa contaminar o Rio Amazonas e o Pantanal. Parece que colocamos fogo no portal do inferno. Nem Dante iria tão longe nos anéis do seu Inferno. Afinal, para que servem os ambientalistas radicais, as Gretas e a COP 26?




E por falar nisso, no sexto ato, haveria uma combinação entre realidade e ficção. Na Distopia Brasileira, nome do nosso próximo livro – a ser escrito e desenhado -, o diabo do Fausto (de Goethe, outro mago da Humanidade) se encontra com a “acumulação primitiva” (de Marx, o maior gênio que já tivemos), e liberta o coirmão Democídio para matar os pobres de fome. Pobres que já raspam ossos na sopa do almoço, que disputam carcaças para o jantar. Esse ato de juntar Democídio e Mefistófeles não é brincadeira. Só mesmo mentes muito malignas para intentar algo assim. Mas, é aí que também se inicia o sétimo ato de nossa peça fascista.

No sétimo ato, Democídio e Mefisto fazem uma reza brava e um chá forte, com a mais poderosa raiz de Mandrágora encontrável. O povo alucinado não desconfia do lobo em pele de cordeiro. Alguns tentam tosquiar, porém, até mesmo gente ilustrada crê que o Brasil é uma democracia. Por óbvio, desconhecem o Golpe de 2016. O que é uma boa lembrança, inclusive porque há muitos livros.

O oitavo ato tem forte ligação com esse tema; trata-se da metamorfose do Homem em baratas. Bicho nojento, sem dúvida. Contudo, Franz Kafka não pensaria que nossa realidade pudesse ficar à frente de sua ficção macabra. Pois ficamos!! Tanto é assim que, por aqui, a Mandrágora transformou o Iluminismo em “Iluminati”. Efeito que deixaria Maquiavel nervoso, na sua peça homônima (Mandrágora), muito nervoso. Mas ficaria é muito nervoso, porque a Mandrágora transformou-se num vírus mais letal do que esse da Covid-19. Passa por todos os celulares, processo em massa.




O nono ato é um desatino total, se é que os outros já não são. Em todo caso, “com supremo, com tudo”, vem aí uma tal de 3a via. O mais estranho é que não há “nova” alternativa, apenas mais do mesmo. Afinal, bem no centrão da história, a tal 3a via é só a outra perna da calça apertada do mesmo Fascismo. Imaginemos um fascista com duas pernas, andando de calça demodê. É isso.

O fim da história não é bem assim, o décimo ato não é o final. Porque “o Fascismo é uma cadela que está sempre no cio” – diria o dramaturgo Bertold Brecht. Então, no máximo, podemos dizer que esse ovo da serpente já chocou, há tempos. Poucos ficaram chocados. No entanto, como ovo podre do Fascismo, será devorado pela história, no ano que vem.

E o alerta é o mesmo do início: vira e mexe o passado regurgita no país, um dia como farsa, no outro como tragédia anunciada em escala. No arremate, prelúdio do ovo clonado da serpente fascista, podemos dizer que sob o capitalismo movido pela Teologia da Prosperidade (dinheiro fácil) não se dá extrema unção à extrema direita.

Não nos esqueçamos jamais: a Fênix do Mal sempre ronda o país, com sua corja de urubus paladinos – alguns togados ou já despidos.

(Vinício Carrilho Martinez é professor associado da UFSCar. André César é cientista político)


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