Servidores filiados ao sindicato no DF querem saber o destino de R$ 14 milhões
Centenas de pessoas esperam há cerca de uma década por uma resposta do Sindicato dos Empregados de Serviços de Saúde do Distrito Federal (SindSaúde). A pergunta envolve precatórios judiciais calculados hoje em R$ 14 milhões. Estão nesta situação cerca de 2,4 mil pessoas sindicalizadas, que não sabem o que foi feito com esse valor milionário.
A espera é motivo de queixas que atingem a presidente do SindSaúde, Marli Rodrigues. Há anos no cargo, a sindicalista não responde aos questionamentos dos sócios e trata a demanda como uma disputa política interna. A questão se arrasta desde 2019, embora várias denúncias chegaram em órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas do Distrito Federal e o Ministério Público do DF.
O escândalo é sem-precedentes, mas o destino de valores referentes a precatórios é um completo mistério. “O que pode ter ocorrido e está ocorrendo é que alguns processos (de precatórios) estão arquivados, outros suspensos e outros ela vendeu para algumas empresas fantasmas. Tem o CNPJ, mas não tem o endereço físico”, arrisca o servidor Amarildo de Sousa Carvalho. Foi ele quem fez a primeira denúncia no MPDF.
A falta de informação sugere uma suposta lavagem de dinheiro que envolve também a Associação dos Sindicalizados do SindSaúde-DF (AssindSaúde), também sob o controle de Marli Rodrigues. O caso também implica a CiaToy Brinquedos, que seria o braço nas operações suspeitas.
O Tribunal de Contas lavou as mãos. Em nota encaminhada ao site Misto Brasília, afirmou que os documentos relacionados primordialmente ao SindSaúde e à AssindSaúde “não são objeto de apreciação do TCDF, por envolverem recursos oriundos de pessoas jurídicas de direito privado, que não estão sob a fiscalização do Controle Externo exercido pelos Tribunais de Contas. A Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde (Prosus) aceitou a denúncia”.
Amarildo explica: “Ela [a empresa] tinha apresentado R$ 9 milhões para a Marli do sindicato em troca de R$ 34,8 milhões. Isso foi em 2017. Quando foi agora, em 2018, o TJ [Tribunal de Justiça] indeferiu a transação, porque as 17 pessoas presentes na assembleia não representavam 15 mil servidores interessados”, afirmou Amarildo.
A vida sindical de Marli é bem complicada. Chegou a ser afastada da direção da CUT e por vezes se manteve na presidência do SindSaúde graças a artifícios judiciais, já que a maioria das assembleias dos servidores não representarem a maioria dos trabalhadores.
Depoimentos e queixas
Maria de Fátima Martinada Rodrigues, auxiliar de Ortopedia, sindicalizada ao SindSaúde desde 1994
Sou sindicalizada. Mais ou menos em 1997, 1998, saiu no jornalzinho do SindiSaúde o nome das pessoas que tinham direito ao precatório. Inclusive, saiu o do meu irmão. Eu perguntei para eles por que o meu nome não havia saído? Eles falaram, assim: ‘É porque você não veio procurar na época. Mas nós vamos averiguar.’ Passaram-se uns dois, três anos, disseram: ‘Olha você não tem mais direito porque você não recorreu. Fiquei muito indignada. Conversando com uma colega sobre empréstimo no BRB.
Ela disse: ‘Você vendeu seus precatórios na época?’. Aí, eu falei para ela não. Olha, aconteceu isso e isso comigo. Eu fui até o sindicato. Eles disseram que eu não tinha direito. Aí, foi quando ela disse: ‘Eu vou lhe passar um telefone. Você liga par ele, diz a matrícula e ele vai dar uma olhada.’ Assim eu fiz. Liguei para o Amarildo, passei a matrícula, o meu nome. Ele ficou três dias para me dar a resposta. Quando ele me deu a resposta ele falou: ‘Seu nome consta na lista sim. Só que as suas
precatórias foram vendidas para a CiaToy.’ Liguei para sindicato e falei com o Silas. ‘Ô Silas, vocês falaram que eu não tenho direito a meus precatórios. O Amarildo acabou de me mandar uma lista onde consta o meu nome, vocês venderam para a Ciatoy.’ Então, ele respondeu: ‘Você tem direito sim. Faz o seguinte, e eu vou passar o telefone para a Ana, você vai conversar a Ana para ela acertar com você. Os seus precatórios são R$ 14 mil, mas com juros e correção monetária vai dar mais um pouquinho.’ A Ana marcou na terça-feira para eu ir ao SindSaúde para a gente acertar.
Eu fui e fui com a advogada. Quando eu cheguei lá, ela me chamou e falou: ‘Não, ela não pode entrar. Ela é minha filha.’ Ana disse que ‘as suas precatórias dão R$ 14 mil, mas com juros e correção monetária vai dar R$ 25.900 e alguma coisa. Tira não sei o quê, mais não sei o que vai sobrar R$ 6 mil. A gente te paga até o dia 25 de outubro. Você deixa aí a conta que a gente paga a transferência.’ Aí, eu falei para ela, não, não eu vou pensar direitinho.
Sebastião Pereira da Silva (Biro), função artífice. E está na ativa há 34 anos
A estratégia dela foi pedir para a gente assinar uma procuração dizendo que vai trabalhar em prol dos funcionários, que é o dever dela. Mas na verdade não é isso. Essas procurações era para no futuro, fazer o que ela fez, lesar os funcionários.
Como todos os outros servidores eu fui procurar, porque é meu direito, que reza a lei que a gente tem que receber, mas infelizmente, chegando lá não tinha nada para receber. Aí perguntaram qual o motivo que ela, o sindicato alega é que expirou o prazo de recebimento.
A gente perguntou: ‘Como assim? A pergunta é essa: Como expirou o prazo. Se o sindicato em prol dos funcionários? Se você é meu procurador você responsável por tudo que eu tinha que fazer pessoalmente.
Calculando, hoje, só os precatórios dos tíquetes alimentação, por que os do INSS, a gente nem fala né? Eu acredito que para a média de uns R$ 80 mil. Os amigos que aposentaram e os que estão na ativa ainda e fora os que já faleceram. A família tinha direito deles, né?
Eu desejo reaver tudo isso que eu perdi, não só eu, os colegas também, como eu tenho direito, todos eles também têm. A gente tem que fazer valer por aquilo que é meu, é dos outros colegas.
Nilton Gonçalves Bonfim, aposentado, 64 anos, técnico em radiologia médica
Eu não sei o que ela fez com o dinheiro dos precatórios. Ela mora em outro local, eu sou diferente dela, enfim. Eu não tenho como saber o que ela fez. As informações que chegaram até mim foram as ações, processos que foram abertos contra ela. Para que ela se desse conta das ações do sindicato. E nosso amigo Amarildo, parece que ele fez essa investigação através da Justiça, com advogados, procuradores também e constataram irregularidade.
Irregularidade essa que se referem aos precatórios. Nós estamos há mais ou menos 10 anos atrás aguardando. Isso porque foi descoberto em 93, que foi debitado a maior.
Alguns precatórios foram já julgados. Eu tomei conhecimento, parece que teve uma venda irregular. Só que no caso o meu não foi. Eu próprio negociei. Com relação aos outros precatórios, que vão virar precatório, ou se já viraram estamos aguardando o pagamento.
O que eu tenho conhecimento do que está acontecendo é isso. Inclusive esses processos que foram passados para mim ler, eu não tive a paciência. E outra coisa, eu não sei interpretar a linguagem jurídica. Tenho muita dificuldade de interpretar, de ler, poque ler é descodificar. Tenho dificuldade de decodificar uma leitura jurídica.
Portanto, eu não estou em condições de dizer quais as ações processuais. Com relação a perda, eu não estou em condições de falar. Eu sei que eu tenho um dinheiro a receber do valor que foi debitado irregularmente nos idos de 1993 e que a Justiça tem que nos ressarcir. E me parece que a Justiça já está finalizando o ressarcimento disso.
Até agora eu não fui notificado do que eu tenho direito. Eu só sei que foi debitado irregularmente. Alguns fazem chacota da Marli, alguns banalizam a pessoa dela. E outros já têm convicção de que ela nos ludibriou. Parece que é unânime o que eles pensam de que houve uma irregularidade.
Estamos vivendo um momento crucial de pandemia. Todos estão sofrendo sem exceção. Até os ricos e poderosos estão sofrendo. Muitos estão sofrendo pressão política. Nós, servidores e aposentados, já que temos um valor que foi debitado durante anos, temos necessidade de ter esse valor em mãos porque estamos num momento emergencial que estamos vivendo.
Tem bastante tempo que estou sindicalizado e sempre aguardando, né? As benfeitorias que o sindicato me dará. Alguns (precatórios) eu já foi contemplado, já fui beneficiado, algumas ações particulares de cunho pessoal eu contratei os advogados do sindicato e fui muito bem atendido.