Para quem foi endereçado o discurso de Bolsonaro na ONU?

Jair Bolsonaro discurso ONU
Bolsonaro grava o discurso exibido ontem na abertura da assembleia geral da ONU/Arquivo/Marcos Corrêa/PR

Texto de Noemí Araújo

Desde 1947, quando o então ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, fez o primeiro discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil passa a ter essa tradição, que não está prevista em nenhuma norma registrada. Mas foi graças a esse costume que pela primeira vez, em 2011, depois de mais de seis décadas, uma mulher teve a oportunidade de fazer o discurso inicial, a então presidente Dilma Rousseff.

Ontem, terça-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro fez o seu segundo discurso durante seu mandato. Dessa vez, no entanto, por conta da pandemia, justamente no ano em que se celebram as bodas de brilhante pelos 75 anos, a sede da ONU estava parcialmente vazia, os discursos foram todos gravados e as reuniões temáticas, que acontecerão nos próximos dias, serão virtuais.

Naturalmente, as inúmeras repercussões no Parlamento brasileiro e nas redes sociais são simultâneas, tanto favoráveis quanto contrárias ao presidente. A pandemia reforçou o cenário de polarização política que se evidencia a cada pronunciamento ou decisão do chefe do Poder Executivo, e quando há uma reverberação a nível internacional, o alcance torna-se viral.

Mais do que fazer uma análise do discurso por si só (que teve a possibilidade de ser gravado previamente, podendo inclusive ser editado e refeito, diferente de um fala ao vivo), apresentando os pontos verídicos ou não, corretos ou equivocados constatados na fala do presidente, para além do conteúdo pontual, faz-se necessário avaliar a relevância de tal oportunidade, visto que a Assembleia Geral é o principal órgão deliberativo da ONU, representantes de 193 países se reúnem para deliberar a respeito de assuntos que afetam e interessam diretamente todo o mundo.

Destaca-se que, destes 193 países, apenas 20 têm mulheres chefes de Estado e/ou de governo. Dessas, três estão na América Latina (Trinidad e Tobago, Barbados e Bolívia); três na Ásia (Bangladesh, Cingapura e Nepal), uma na África (Etiópia) e uma no Pacífico (Nova Zelândia). As demais, encontram-se na Europa: Alemanha, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Estônia, Finlândia, Geórgia, Grécia, Islândia, Noruega e Sérvia. Em 1 de janeiro de 2020, 6,6% dos Chefes de Estado eleitos eram mulheres (10 de 152) e 6,2% de Chefes de Governo (12 de 193).[1][2]

A questão é que os discursos feitos pelos chefes de suas nações são construídos para diferentes propósitos e podem representar momentos históricos que serão relembrados com o passar das décadas, como grandes inspirações ou casos de vergonhas internacionais; como por exemplo, em 1960, o então presidente Fidel Castro, que discursou por quatro horas e meia, exaltando a relação dos países comunistas, Cuba e a então União Soviética. Ou, quando o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em 2006, chamou o adversário norte-americano, George W. Bush, de “diabo”.

Fazer ou responder acusações contra outro Estado, em nome do chefe do Poder; apontar os objetivos, reforças compromissos para com a população representada ou dar um recado ao cenário internacional; se apresentar ao mundo, aos recém eleitos; clamar por solidariedade, paz ou até mesmo apontar injustiças e fazer críticas, são os conteúdos que norteiam os discursos. Fato é que, para qualquer propósito, requer coragem e muita audácia a cada uma das palavras proferidas.

A saber a estratégia pretendida, a oportunidade de alçar o Brasil como referência internacional entre os países emergentes e possível potência mundial em ascensão, a fim de apresentar um plano estratégico de crescimento econômico para o pós-pandemia e atrair maiores investidores externos, foi desperdiçada. Em contrapartida, a ala militar encontra-se em êxtase, a direita conservadora e a população cristã sentiram-se totalmente representadas e defendidas, mesmo o Brasil sendo considerado laico desde 1890. O púlpito, mesmo que virtual, tornou-se palanque político para as eleições gerais de 2022, mesmo que ainda nem tenhamos iniciado a campanha eleitoral para a disputa municipal deste ano.

[1] Brasil caiu 6 posições em número de mulheres no parlamento

[2] Mulheres que estão no poder em países da União Europeia

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