Área protegida não é sinônimo de conservação do Cerrado no DF

Trilha Cerrado
Uma das trilhas já mapeadas na região do Cerrado do Centro-Oeste/Arquivo/Divulgação
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 Texto de Aldem Bourscheit

Parques e outros tipos de reservas naturais estão com sua criação ou plano de manejo em consulta pública no Distrito Federal. O Refúgio de Vida Silvestre da Taboquinha, no Altiplano Leste, e os parques Ecológico do Anfiteatro Natural do Lago Sul e Olhos d’Água, esse na Asa Norte, são algumas dessas áreas protegidas.

Num cenário político-econômico de vacas muito magras para a proteção da natureza, situação ainda mais drástica em todo o país no governo de Jair Bolsonaro, ações como essas são mais do que bem vindas. Mas historicamente o tamanho da área protegida em lei não é sinônimo de manutenção do Cerrado no Distrito Federal. Os números são claros.

Apesar de ter mais de 90% de seu território abrigado em unidades de conservação, a região já perdeu sete em cada dez hectares do Cerrado que tinha. Nas últimas três décadas, urbanização e lavouras devoraram quase 70 mil hectares da savana brasileira e outras formas de vegetação nativa. O verde regional encolheu de 358 mil hectares para 291 mil hectares no período, mostra a plataforma MapBiomas.

Vegetação nativa (tons de verde) no Distrito Federal em 1985 e 2018 (abaixo) foi engolida especialmente por lavouras (rosa) e urbanização (vermelho).

Fonte: MapBiomas

Atropelo urbano – Áreas já protegidas ou em consulta pública tentam segurar as pontas do crescimento urbano e manter ambientes que fornecem água e outros “serviços ambientais”. Refúgio da Taboquinha e do Parque do Anfiteatro Natural do Lago Sul buscarão manter livres de prédios, casas e asfalto áreas usadas por turistas e esportistas. Medidas como essas também podem reduzir as chances de nova temporada de torneiras secas, como ocorreu no Distrito Federal em 2018.

Governos e judiciário distritais historicamente agem de maneira contraditória quando o assunto é conservação da natureza. Permitem a multiplicação de condomínios irregulares, não implantam áreas protegidas relevantes para manter o Cerrado e fontes de água e até driblam o licenciamento de obras de alto risco ecológico.

Na metade da década havia cerca de 1.000 loteamentos irregulares no Distrito Federal. Os números de hoje não são muito diferentes. Condomínios de todos os padrões crescem livremente sobre terras públicas. A grande maioria é abastecida com água e energia públicas, consolidando a destruição galopante do Cerrado e engordando a arrecadação de tributos.

Argumentos desse tipo, pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e outras taxas, são usados por supostos grileiros de terras para evitar a criação do Parque Distrital Pedra dos Amigos, na Serrinha do Paranoá. A área tem quase uma centena de nascentes que desaguam no Lago Paranoá. Há planos para mais 800 lotes residências no local. Moradores tentam barrar na Justiça o acesso de ONGs à região.

Enquanto isso, o Parque Ecológico Bernardo Sayão, no Lago Sul, se tornou um verdadeiro lixão a céu aberto. Restos de obras e de roçadas, móveis velhos e toda sorte de resíduos são lá jogados diariamente. Criado em 2002, até hoje não foi implantado. Abriga 200 hectares de Cerrado, trilhas para caminhadas e pedaladas e nascentes que fluem ao Paranoá. Na mira na especulação imobiliária, todos os anos é torrado por insuspeitas queimadas.

O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) dispensou licença ambiental para um posto que armazenará até 15 mil litros de combustível no Aeródromo do Botelho, em São Sebastião (DF). Como revelamos no início de agosto, a obra tem “alto potencial poluidor” e está dentro da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bartolomeu. O governador Ibaneis Rocha comprou um jatinho particular no início de 2019.

Mais do mesmo – O loteamento desenfreado do Distrito Federal tem outras frentes. Próximo à área onde deve ser implantado o Refúgio de Vida Silvestre da Taboquinha, o Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal autorizou o loteamento de 105 hectares com 1.583 domicílios para mais de 5 mil pessoas. O Quinhão 16 acabará com uma área de Cerrado nativo também rica em nascentes.

A empreitada irá engrossar o trânsito regional de veículos rumo à Ponte JK, já saturado nos horários de pico. Em todo lugar, mais carros estimulam a abertura e o asfaltamento de mais vias. Os efeitos colaterais do mega loteamento serão “compensados” com a criação de uma área protegida privada de 55 hectares. Enquanto isso, o sistema do Ibram mostra que desde 2017 está em licenciamento outro loteamento na mesma região, o Quinhão 17.

A ocupação urbana e os dribles legislativos do Poder Público distrital também batem de frente com a implantação da Reserva da Biosfera do Cerrado no Distrito Federal. Incorporada à legislação do DF na metade dos anos 1990, procurava ordenar a ocupação do território para melhorar a da qualidade de vida da população e conservação da natureza pela manutenção e interligação de áreas protegidas regionais através de corredores verdes.

O instrumento também segue engavetado. Para saber mais sobre ele, confira o artigo Reserva da Biosfera do Cerrado no Distrito Federal: zona de ação pela sustentabilidade, publicado pela revista Ciência e Trópico em agosto de 2018.

(Aldem Bourscheit é jornalista especializado em histórias sobre conservação da natureza, ciência e populações indígenas e tradicionais)

 

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