O Brasil em meio à guerra fria entre Estados Unidos e China

Bolsonaro e Todd Chapman
Jair Bolsonaro e Todd Chapman em recente encontro em Brasília/Arquivo/Isac Nóbrega/PR

Texto de Marcelo Rech

Na semana passada, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, disse de forma clara que se uma empresa chinesa vencer a concorrência pela tecnologia 5G no Brasil, “haverá consequências”. Ele não quis afirmar com todas as letras que haverá represálias de Washington e tampouco, disse quais seriam as “consequências”, mas o recado foi dado.

Ele também tem trabalhado para obter do Brasil, o livre comércio do etanol de milho produzido nos Estados Unidos. A medida beneficiaria diretamente o presidente Donald Trump que disputa a reeleição. Trump prometeu muito aos produtores de etanol de milho e não está conseguindo cumprir. Cerca de 30 usinas de etanol já fecharam no país.

A pressão exercida pela Embaixada dos Estados Unidos não é novidade, mas a forma como tem sido feita, tem deixado muita gente, inclusive ministros, constrangidos. Alguns relatam a sensação de intimidação que as conversas produzem. Todd Chapman chegou a ser advertido por deputados norte-americanos para que não interfira em temas político-partidários.

Chapman assumiu o cargo em 29 de março e não perdeu tempo. Desde então, já se reuniu com o presidente, o vice e praticamente todos os ministros e assessores mais próximos de Jair Bolsonaro. Apesar da pandemia e do distanciamento social, tem feito questão de comparecer a eventos e conversar pessoalmente sobre as relações bilaterais e temas geopolíticos, como China.

De certa forma, o que Todd Chapman está fazendo é o seu trabalho como chefe da missão diplomática que representa os Estados Unidos no Brasil. No entanto, as entrelinhas guardam sutilezas que deveriam preocupar, uma vez que a embaixada norte-americana se mostra disposta a arrastar o Brasil para a sua guerra com a China.

No dia 4 de julho, Todd Chapman recebeu em sua residência, o presidente Jair Bolsonaro e o seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, e os ministros das Relações Exteriores, Defesa, Casa Civil, Secretaria de Governo e Secretaria de Assuntos Estratégicos. No cardápio, a ameaça representada pela China na América Latina e no Brasil, de forma muito especial.

No ano passado, o núcleo duro do governo já havia sido avisado pelo senador Rick Scott, para evitar negócios com a China. Em sua última viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro foi advertido dos riscos que o Brasil corre se entregar o 5G para a China, afinal, segundo Washington, todas as empresas chinesas espionam para Pequim.

Quando a Boeing desistiu de firmar parceria com a Embraer, surgiu a possibilidade de uma aliança com os chineses. Para os diplomatas norte-americanos, isso seria um desastre total para a empresa brasileira.

De fato, a briga entre Estados Unidos e China é de cachorro grande e o Brasil precisa ser inteligente o suficiente para não se permitir ser usado neste jogo. Para tanto, é necessário mais pragmatismo. Hoje, quando o assunto são as relações com os Estados Unidos, há um sentimento todo passional, como se Washington representasse os mocinhos e Pequim, os bandidos.

Não é bem assim. Países têm interesses. São políticos, econômicos, comerciais. Não importa. E cada um está fazendo aquilo que julga ser necessáio para satisfazê-los. O que precisa ser analisado e refletido profundamente, é a forma como nos comportamos. O Brasil precisa impor-se aos interesses dos demais, fazendo valer os seus.

A história registra o que têm sido as ações norte-americanas mundo afora. Basta olharmos para a América Latina, onde o histórico de golpes e contra-golpes, ingerência explícita e ameaças contundentes, por parte dos Estados Unidos, tem deixado marcas profundas.

Não precisamos ir muito longe. Em 2013, o escândalo de espionagem denunciado por Edward Snowden, pegou o Brasil e vários países, aliados dos Estados Unidos, de calças curtas. Isso sem contar as ditaduras impostas e sustentadas por Washington nos cinco continentes.

Vivemos um processo de demonização da China. E muito do que se diz, faz todo o sentido, afinal trata-se de “um país, dois regimes”. Mas, não podemos esquecer da história: amigos e aliados de ontem, hoje são os inimigos da América. Inimigos ontem, hoje, são os melhores amigos e os aliados mais privilegiados.

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