As mais belas bibliotecas do mundo

Texto de Lucinda Canelas

Sempre que os jornais internacionais publicam listas das mais belas bibliotecas do mundo, é certo que nesse clube altamente exclusivo há pelo menos um membro português. E logo entre os primeiros.

Desta vez, e ainda que o pretexto do mais recente ranking seja um livro The World´s Most Beautiful Libraries (Taschen, 2018), um coffee table book que convida à viagem e que é em si mesmo um destino para bibliófilos — há três, e um deles “mora” no Brasil: o Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, uma instituição que recentemente passou por grandes dificuldades e cuja atividade se deve hoje em boa parte a portugueses e lusodescendentes; a Biblioteca Joanina, em Coimbra; e a do palácio-convento de Mafra.

Este volume de 550 páginas é uma edição trilingue (inglês, alemão e francês) em que a fotografia do florentino Massimo Listri assume todo o protagonismo, relegando para segundo plano os textos de Georg Ruppelt, diretor de bibliotecas e autor de dezenas de monografias em torno da história do livro e da cultura, e de Elisabeth Sladek, uma acadêmica que se especializou em arte e arquitetura do barroco.

O Real Gabinete Português de Leitura fica na Rua Luís de Camões, no centro do Rio de Janeiro. A sua construção, aliás, começou em 1880 precisamente para assinalar os 300 anos da morte do poeta de Os Lusíadas e deveu-se à iniciativa de 43 portugueses imigrantes, muitos deles homens de negócios, outros refugiados políticos, explica Elisabeth Sladek.

O seu interior, onde hoje está a maior coleção de livros portugueses fora de Portugal, é uma homenagem ao gótico tardio. O teto e as estantes deste gabinete de leitura que tem um gigantesco pé direito — os livros distribuem-se por três níveis — contrastam com as paredes de tom verde e a fachada que Listri não fotografa evoca o Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa.

Muito diferente no aspecto e no acervo das duas bibliotecas nacionais deste The World’s Most Beautiful Libraries, o gabinete e os seus mais de 350 mil volumes continuam à guarda de instituições ligadas à diáspora, como a Escola Portuguesa do Rio de Janeiro, e nele não se sente tanto o peso da história como em Mafra ou em Coimbra.

A primeira pedra da Biblioteca Joanina, construída a mando de D. João V (1689-1750), foi lançada a 17 de Julho de 1717, dando-se a obra como praticamente concluída 11 anos depois. Ainda que seja uma biblioteca implantada numa universidade, o seu ambiente — as estantes de madeira escura ricamente decoradas em dourados, o chão de pedra com padrão geométrico, os arcos sumptuosos que dividem os três espaços onde estão guardados 250 mil volumes, e os tetos pintados — é o de uma biblioteca palaciana, sendo esta atmosfera de requinte e representação do poder real reforçada pelo retrato do monarca que tem lugar de destaque ao fundo do corredor central que a atravessa, executado por Domenico Duprà, pintor da corte.

Massimo Listri, que se tem vindo a dedicar à fotografia de arquitetura, sobretudo a que regista os interiores luxuosos de palácios e villas, e publicou já 70 livros, parece ter encontrado no universo das mais antigas e notáveis bibliotecas dos continentes europeu e americano um desafio à altura da sua experiência.

O resultado do seu trabalho, associado aos textos breves de Ruppelt e Sladek (há um pequeno artigo para cada biblioteca), pode ver-se neste volume que apresenta ao leitor 55 espaços, alguns deles com áreas de acesso muitíssimo restrito, como a Biblioteca Apostólica Vaticana, na cidade dos Papas, fundada por volta de 1450 (o atual edifício é do final do século XVI) e paradigma da associação destas instituições à investigação e à produção de conhecimento ao longo dos séculos.

Com cerca de 2,4 milhões de itens à sua guarda, entre eles 1,8 milhões de manuscritos e livros impressos muito raros, é desde o ano passado dirigida pelo arcebispo português José Tolentino de Mendonça e em The World’s Most Beautiful Libraries é a primeira numa lista de 17 bibliotecas de Itália, de longe e naturalmente o país que mais atrai a objetiva de Massimo Listri.

Nápoles, Florença, Roma e Veneza são outras das cidades de paragem obrigatória neste livro que abre precisamente com o capítulo voltado para a Europa do Sul, onde se inserem Portugal e Espanha, esta última com o Arquivo Geral das Índias (Sevilha) e a biblioteca do Mosteiro do Escorial (Madrid).

Nos capítulos seguintes, encontramos instituições dispersas por mais 13 países, com a Alemanha e a Áustria a mostrarem de que forma souberam fazer da construção de bibliotecas de ambientes luxuosos e com ambiciosos acervos um espelho da sua prosperidade e do compromisso com o saber de alguns dos seus principais mosteiros e abadias.

A mais antiga das bibliotecas fotografadas, a da abadia beneditina de São Galo, na Suíça, foi construída em meados do século VIII, embora já antes houvesse “coleções de livros” na Europa, escreve Georg Ruppelt, num texto introdutório a que deu o título de Memória do Mundo. Memória do Mundo é precisamente o nome do programa da UNESCO (sigla em inglês da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em que figuram livros, manuscritos e outros documentos únicos que são testemunhas de importantes momentos históricos ou refletem o gênio criador do homem, hoje à guarda de prestigiados museus, arquivos e bibliotecas internacionais, e alguns deles referidos ou reproduzidos neste volume.

(Lucinda Canelas trabalha no Público)